ANOTAÇÕES SOBRE O ESTATUTO DA CIDADE E AREVISÃO DO PLANO DIRETOR DE MURIAÉ (LEI Nº 3.377, DE 17.10.06)
SUMÁRIO
I INTRODUÇÃO, 3
II ESTATUTO DA CIDADE, 3
A) DIRETRIZES GERAIS, 3
B) DOS INSTRUMENTOS EM GERAL, 5
C) DO PLANO DIRETOR, 5
D) DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE, 7
III LEI COMPLEMENTAR Nº 101 – LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF), 8
IV LITERATURA ESPECIALIZADA, 8
V PLANO DIRETOR DE MURIAÉ (LEI Nº 3.377, DE 17.10.06), 9
VI CONCLUSÕES, 11
VII APÊNDICE, 12
ÍNDICE FIRJAN DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL - IFDM
I INTRODUÇÃO
As presentes anotações têm por objetivo aprofundar conhecimentos sobre o Estatuto da Cidade e a revisão do Plano Diretor de Muriaé. Conhecimentos básicos sobre o Estatuto da Cidade pode ser obtidos através de cartilhas divulgadas em sites da internet, dentre os quais podemos citar o do Instituto Pólis: http://www.polis.org.br/obras/arquivo_195.pdf. Outras informações constam do blog http://www.orionossodecadadia.blogspot.com.
Em geral, as cartilhas – por serem elaborados por engenheiros e arquitetos – destacam basicamente os aspectos relacionados com o uso e a ocupação do solo urbano. Elas se esquecem de que o Plano Diretor é um todo voltado para o bem-estar da população, e, desse modo, deve contemplar tudo o que se refere ao município: geração de emprego e renda, moradia, saneamento, meio ambiente, transporte, segurança, saúde, educação, esporte, cultura e lazer.
Grosso modo, a administração pública municipal pode ser dividida em duas fases: antes e depois da Lei nº 10.257, de 10.07.01, denominada Estatuto da Cidade. Hoje, a administração dos municípios brasileiros encontra-se num estado sui generis – praticamente todos eles continuam a ser administrados como se o Estatuto não existisse. Os Planos Diretores foram elaborados, mas exclusivamente para atender a exigências legais. De fato, vigoram os acordos, as idéias e os interesses das lideranças que se encontram no poder; e a gestão democrática prevista na lei ainda não saiu das estantes!
II ESTATUTO DA CIDADE
Estatuto da Cidade é o nome da Lei nº 10.257, de 10.07.01, que regulamentou o art. 182 da Constituição Federal e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana.
A) DIRETRIZES GERAIS
A política urbana tem por objetivo ordenar o PLENO desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
1. gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (Inciso II do art. 2º).
1.1. O direito à participação popular será respeitado quando os grupos sociais marginalizados e excluídos tiverem acesso à vida política e econômica da cidade. Para ser exercido, este direito pressupõe a capacitação política dos diversos grupos sociais. Na gestão democrática da cidade, deve ser assumido politicamente que existem diversos atores sociais com concepções conflitantes de vida e de cidade. O desafio é construir uma cultura política com ética nas cidades, viabilizando que os conflitos de interesse sejam mediados e negociados em esferas públicas e democráticas. Assume-se como princípio básico da política urbana o imperativo de se discutir os rumos das cidades com os vários setores da sociedade.
1.2. Todos os cidadãos estão habilitados a participar do planejamento de sua cidade e podem intervir na realidade de seu município. Para que essa capacidade saia do plano virtual ou potencial e concretize-se na forma de ação participativa, os processos de elaborar planos projetos têm de prever métodos e passos que todos os cidadãos compreendam com clareza, em todos os municípios.
2. planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (Inciso IV do art. 2º);
2.1. O macrozoneamento estabelece um referencial espacial para o uso e a ocupação do solo na cidade, em concordância com as estratégias de política urbana. Define inicialmente grandes áreas de ocupação: zona rural (por exemplo, para produção de alimentos, exploração de minérios, produção de madeira) e a zona urbana (residências, indústrias, comércio e serviços, equipamentos públicos). Dessa maneira, circunscreve-se o perímetro urbano, ou seja, a área em cujo interior valem as regras da política urbana.
2.2. A partir da definição do perímetro urbano, o macrozoneamento define, ainda em grandes áreas de interesse de uso, as zonas onde se pretende incentivar, coibir ou qualificar a ocupação. Essa definição deve ser feita partindo do princípio da compatibilidade entre a capacidade da infra-estrutura instalada, as condições do meio físico, as necessidades de preservação ambiental e de patrimônio histórico e as características de uso e ocupação existentes.
3. oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais (Inciso V do art. 2º);
4. ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar (Inciso VI do art. 2º):
4.1. utilização inadequada dos imóveis urbanos;
4.2. a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
4.3. o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
4.4. a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
4.5. a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
4.6. a deterioração das áreas urbanizadas;
4.7. a poluição e a degradação ambiental.
B) DOS INSTRUMENTOS EM GERAL
Para realizar os objetivos definidos no plano, os municípios podem utilizar mais de trinta instrumentos, dentre outros, os seguintes (Art. 4º):
1. Planejamento municipal:
1.1. Plano diretor;
1.2. Disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
1.3. Plano plurianual;
1.4. Diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
1.5. Gestão orçamentária participativa;
1.6. Planos, programas e projetos setoriais;
1.7. Planos de desenvolvimento econômico e social.
2. Institutos tributários, financeiros, jurídicos e políticos:
1.1. IPTU progressivo no tempo;
1.2. Contribuição de melhoria;
1.3. Incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
1.4. Desapropriação;
1.5. Direito de preempção;
1.6. Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso
1.7. Regularização fundiária.
Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos [que envolvem dinheiro] por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil (§ 3º do art. 4º).
C) DO PLANO DIRETOR
O Plano Diretor é o instrumento criado pela lei, através do qual ela se consubstancia, ou seja, se torna realidade na vida dos municípios. É o documento que contém o planejamento do município – o conjunto de objetivos, estratégias, diretrizes e ações governamentais voltadas para a geração de emprego e renda, moradia, saneamento, meio ambiente, transporte, segurança, educação, saúde, esporte, cultura e lazer (Inciso I do art. 2º).
O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. Em razão disso, ele deve orientar todas as prioridades de governo, especialmente as definidas no Plano Plurianual (PPA), nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e nas Leis Orçamentárias Anuais (LOA), programas e projetos (§1º do art. 40).
No processo de elaboração do Plano Diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: (i) a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; (ii) a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; e (iii) o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos (§ 4º do art. 40).
De acordo com o art. 175 da Lei Orgânica do Município, o Plano Diretor deverá conter:
1. exposição circunstanciada das condições econômicas, financeiras, sociais, culturais e administrativas do Município;
2. objetivos estratégicos, fixados com vista à solução dos principais entraves ao desenvolvimento social;
3. diretrizes econômicas, financeiras, administrativas, sociais, de uso e ocupação do solo, de preservação do patrimônio ambiental e cultural;
4. ordem e prioridade, abrangendo objetivos e diretrizes;
5. estimativa preliminar do montante de investimentos e dotações financeiras necessárias à implantação das diretrizes e consecução dos objetivos do Plano Diretor, segundo a ordem de prioridades estabelecidas.
A política de desenvolvimento urbano estabelecida pelo Município no Plano Diretor, que não tiver como prioridade atender as necessidades essenciais da população marginalizada e excluída das cidades, estará em pleno conflito com as normas constitucionais norteadoras da política urbana, com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, em especial com o princípio internacional do desenvolvimento sustentável.
O Ministério das Cidades recomenda que – se já houver Conselho, como é o caso do COMUPLAN – ele tem a prerrogativa de coordenar todo o processo de elaboração do Plano Diretor; e cabe-lhe encaminhar a implementação dos instrumentos participativos, além de acompanhar a execução.
O Plano Diretor não pode ser um planejamento fictício, parcial ou fora da realidade e condições do município. Para elaborá-lo, é indispensável levar em conta as forças políticas, sociais e econômicas que atuam na cidade, e as possibilidades orçamentárias, ou condições novas e futuras de arrecadação, estabelecidas durante o processo.
Também para que todos entendam e possam interferir no processo, é fundamental que o Plano Diretor seja construído em linguagem acessível e clara, da discussão à redação final. O Plano Diretor deve ser construído num processo realmente participativo, em discussão entre iguais e por decisões conscientes e esclarecidas. Deve ser um conjunto de regras simples, que todos entendam. Entender o Plano Diretor é condição essencial para saber defendê-lo e aplicá-lo.
Cabe à Prefeitura dar ampla divulgação e facilitar o acesso aos documentos e informações produzidos durante todo o processo participativo de elaboração do Plano Diretor. Essa divulgação e a possibilidade de conhecer documentos e informações são indispensáveis para que parcela significativa da população participe efetivamente nos debates, até a aprovação final do Plano Diretor.
A lei do Plano Diretor deve estabelecer a estrutura e o processo participativo de planejamento para implementar e monitorar o Plano Diretor. O monitoramento compreende avaliações, atualizações e ajustes sistemáticos, que devem estar definidos na lei. O Plano Diretor deve definir também as instâncias de discussão e decisão do monitoramento, como os conselhos, sua composição e suas atribuições. A forma como o sistema de gestão e de planejamento será implementado e monitorado, para garantir o controle social, dependerá da montagem acordada no pacto de elaboração do Plano Diretor e deverá ser coerente com a capacidade de gestão do município.
D) DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE
Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: (i) órgãos colegiados de política urbana (COMUPLAN); (II) debates, audiências e consultas públicas; (III) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; (iv) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (Art. 43).
Os conselhos de desenvolvimento urbano são órgãos colegiados, com representação tanto do governo como de diversos setores da sociedade civil; são parte integrante do Poder Executivo, mas independente dele. O conselho é o órgão em que a sociedade civil participa do planejamento e da gestão cotidiana da cidade.
As conferências de política urbana são grandes encontros, repetidos periodicamente, alcançando ampla participação popular. Nesses encontros, são definidas políticas e plataformas de desenvolvimento urbano para o período seguinte. São momentos decisivos da política urbana, nos quais são “costurados” os consensos e pactos entre o poder público e os diversos setores da sociedade. As conferências têm a finalidade de definir os grandes marcos da política urbana, por exemplo, ao propor princípios, diretrizes e prioridades para o Plano Diretor ou para a política urbana, e ao escolher os membros para o Conselho de Política Urbana ou da Cidade [COMUPLAN].
Os debates, consultas e audiências públicas são amplas apresentações e discussões, nas quais são expostos e debatidos análises e projetos de interesse público, para crítica ou referendo dos diversos setores da sociedade. Além desses instrumentos, existem outras dimensões da gestão democrática da cidade, como o orçamento participativo e a iniciativa popular de projetos de lei.
O principal requisito para a implementação desses instrumentos é a disposição do Executivo e Legislativo em investir num processo de participação real – e não simulada – nas definições da política urbana. Órgãos colegiados ou encontros de participação popular não podem ser tratados como simples legitimação de políticas pré-concebidas. [...] Uma vez tomada a decisão de partilhar efetivamente o poder, o Executivo deve criar condições efetivas para que a participação popular ocorra. Devem ser garantidos recursos para implementar a política de desenvolvimento urbano, e as decisões tomadas com participação popular devem ser cumpridas..
III LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 04.05.00 – LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF)
Planejamento (Plano Diretor) e controle (LRF) são irmãos siameses no processo administrativo. A LRF detém importantíssimo papel na função de controle, cumprindo destacar que são instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público [internet]: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos (Art. 48).
A partir de 28.05.11, a Prefeitura deverá liberar ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público (Inciso II do parágrafo único do art. 48). Em outras palavras, todo pagamento deverá estar disponível para conhecimento da população, a partir do momento em que for realizado.
As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade (Art. 49).
IV LITERATURA ESPECIALIZADA
Destacamos aqui pontos relevantes da literatura especializada que devem ser levados em consideração num Plano Diretor tecnicamente bem elaborado.
Se as estratégias estabelecem o objetivo geral e o curso de ação para as organizações, os planos operacionais dão os detalhes necessários à incorporação dos planos estratégicos nas operações do dia a dia. Os planos operacionais pertencem a duas classes gerais. Os planos de uso único são programados para serem dissolvidos assim que tiverem alcançado objetivos específicos e não recorrentes, por exemplo, o plano para a construção de uma escola. Os planos permanentes, ao contrário, são abordagens padronizadas para resolver situações recorrentes e previsíveis. Os tipos principais são as políticas, os procedimentos e as regras.
Os critérios para escolha dos objetivos devem ser estabelecidos de acordo com a prioridade e a sua contribuição para o alcance dos resultados-chave do município. Dentre outros critérios, o objetivo deve procurar as atividades que têm maior impacto sobre os resultados, e deve ser específico quanto aos dados concretos: o que, quanto, quando. Ou seja, os resultados esperados devem ser enunciados em termos mensuráveis e bastante claros.
Planejar é uma das funções administrativas; as demais são organizar, dirigir e controlar. Organizar é dar condições à prefeitura para atingir os objetivos estabelecidos no Plano Diretor. Refere-se, principalmente, à estrutura organizacional, instalações físicas, equipamentos, recursos humanos e materiais. A função direção engloba basicamente: seleção, treinamento, avaliação, comunicação, liderança e motivação de pessoal. Controlar é verificar se os objetivos estão sendo atingidos conforme foram planejados, ou se há necessidade de adotar medidas para correção de desvios. Nesse sentido, destaca-se o Sistema de Informações Municipais criado pelo Plano Diretor, que tem como princípios, dentre outros, “subsidiar o planejamento, o monitoramento, a implementação e a avaliação da política urbana” e “democratizar e disponibilizar as informações, em especial as relativas ao processo de implementação, controle e avaliação do Plano Diretor”.
V PLANO DIRETOR DE MURIAÉ (LEI Nº 3.377, DE 17.10.06)
Uma análise do que foi exposto, aliada às informações deste tópico, atestam que, sob os mais variados aspectos, o Plano Diretor de Muriaé é uma lei que “não pegou”, e, portanto, não vem atendendo aos anseios e as necessidades dos muriaeenses.
A elaboração do Plano Diretor não contou – e sua execução não vem contando – com AMPLA participação da população. Trata-se, desse modo, de uma lei NULA ou ANULÁVEL. Nesse sentido, é emblemática a decisão da justiça de São Paulo:
O juiz Marcos de Lima Porta determinou ontem (11.08.10) a imediata suspensão do projeto de lei sobre a revisão do Plano Diretor da capital paulista. Ele invalidou o projeto enviado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) à Câmara Municipal. O processo terá de começar do zero para garantir a efetiva participação popular.
Na sentença, o magistrado diz que, para que a democracia seja respeitada, o projeto "não merece prosperar". A constituição "exige a observância da gestão democrática das cidades com a participação popular para que a política urbana se concretize".
De acordo com o juiz, “a gestão democrática impõe à municipalidade que, do início até o término dos trabalhos do Plano Diretor, realize campanhas massivas de conscientização e convocação dos munícipes, não só para audiências públicas, mas sim, para promover a sua devida participação no processo administrativo como um todo”.
Independentemente de a lei ser NULA ou ANULÁVEL, vários outros vícios podem ser apontados no que se refere à implementação do novo modelo de gestão pública municipal em nossa cidade. Vejamos alguns exemplos.
No que se refere à falta de participação popular, o Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento – COMUPLAN merece destaque. Em que pese a lei que instituiu o Plano Diretor ser de 17.10.06, somente agora, em 10.06.10, os membros do Conselho se reuniram pela primeira vez. Os membros nomeados e empossados pelo Decreto nº 3.141, de 01.02.07, nunca se reuniram.
O COMUPLAN é o órgão em que a sociedade muriaeense participa do planejamento e da gestão cotidiana da cidade. Até o momento, o COMUPLAN vem-se reunindo mensalmente. As reuniões têm durado aproximadamente duas horas. O mandato dos conselheiros é de dois anos, (24 meses). Calculando, os conselheiros deverão trabalhar 48 horas em todo o mandato (biênio 2010-2012). À vista das inúmeras e complexas atribuições do COMUPLAN (Art. 2º do Decreto nº 3.101, de 01.12.06), o trabalho de 48 horas, em final de expediente, nos permite afirmar que a população não está participando efetivamente do planejamento e da gestão da cidade.
Relativamente às atribuições do COMUPLAN, foi omitido no Decreto nº 3.101, de 01.12.06, que regulamentou o Plano Diretor, a contido no § 2º do art. 50: os instrumentos que requeiram dispêndio de recursos por parte do poder público municipal deverão, quando da sua aplicação, ser submetidos à aprovação do COMUPLAN.
As conferências públicas têm por finalidade, dentre outras, escolher os membros para o Conselho. Não é o que se observa no Plano Diretor. Além disso, o presidente – ou a comissão diretora – do Conselho deve ser escolhidos pelos seus pares. No COMPUPLAN, o presidente (Secretário de Atividades Urbanas) e o suplente (Secretário de Administração) foram nomeados através do Decreto nº 3.101, de 01.12.06, contrariando princípios democráticos sedimentados.
Caberá a Prefeitura garantir o apoio administrativo e os meios necessários à execução dos trabalhos do COMUPLAN (instalações físicas, telefones, computadores, etc.). Praticamente, quatro anos se passaram, onde está funcionando o COMUPLAN? Como o cidadão deve proceder para entrar em contato com algum conselheiro? Onde se encontram divulgados os trabalhos e decisões do Conselho?
Nada nos permite afirmar que nosso Plano Diretor prioriza as classes marginalizadas. Ao contrário, enquanto existem 19 (dezenove) diretrizes relacionadas com políticas de proteção do patrimônio cultural, há somente 15 (quinze) diretrizes de políticas de desenvolvimento social, incluindo no mesmo grupo saúde e educação. E, apesar da gravidade dos problemas das drogas em nossa cidade, nada existe especificamente a respeito. A propósito, soubemos que existem filas de dependentes químicos para ingressar nas comunidades terapêuticas e que, na sua totalidade, são pessoas pobres, sem a mínima condição de arcar com as despesas de internação.
Nosso Plano Diretor “não pegou”, nem no papel, nem na cultura do povo muriaeense. Até mesmo no Poder Executivo, conforme se pode deduzir das matérias seguintes:
Desenvolver estratégias que venham contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Foi com esse objetivo que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, em parceria com o Poder Judiciário, o Ministério Público e o Conselho Municipal Antidrogas, realizou o 1°Encontro Municipal de Multiplicadores de Combate às Drogas.
Não se observou, também, o § 1º do art. 175 da Lei Orgânica, especialmente no tocante à (i) exposição circunstanciada das condições econômicas, financeiras, sociais, culturais e administrativas do Município; e (ii) estimativa preliminar do montante de investimentos e dotações financeiras necessárias à implantação das diretrizes e consecução dos objetivos do Plano Diretor, segundo a ordem de prioridades estabelecidas.
O Poder Executivo não vem cumprindo o que determina o art. 48 da LRF e o § 4º do art. 40 do Estatuto, mas podemos afirmar, com grande margem de segurança, que o PPA, a LDO, a LOA, programas e projetos de nossa cidade não mantêm coerência e não estão observando os objetivos, estratégias e diretrizes constantes do Plano Diretor.
Deveriam ter sido revistos – mas não o foram, segundo se observa no site da Prefeitura – no prazo máximo de 01 (um) ano, contados da publicação do Plano Diretor, os instrumentos seguintes: Lei do Perímetro Urbano; Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo; Código de Posturas; Código de Obras; Código Tributário; Código Ambiental e a Agenda 21 Local. Outros questionamentos podem ser levantados, dentre eles destacamos:
1. Conforme art. 47 da Lei nº 3.377/06, o Fundo Municipal de Desenvolvimento deveria ser criado no prazo de 90 (noventa) dias, após a aprovação desta Lei – FOI CRIADO?
2. É atribuição do COMUPLAN convocar e organizar o Fórum de Acompanhamento do Plano Diretor Participativo a cada 4 (quatro) anos, sendo o próximo a se realizar no segundo semestre de 2007 – FOI REALIZADO?
3. A Conferência Municipal de Desenvolvimento deverá ser realizada a cada 4 (quatro) anos. Parágrafo único. A próxima Conferência Municipal de Desenvolvimento será realizada no primeiro semestre de 2009 – FOI REALIZADA?
Tecnicamente, o Plano Diretor foi mal elaborado. Não há coerência entre objetivos, estratégias, diretrizes e prioridades. Os objetivos não são numericamente quantificados; os valores dos investimentos não são estimados, conforme determina a Lei Orgânica; e os prazos de execução não são explicitados. Além disso, o planejamento não cuida da parte relacionada com as atividades permanentes da Prefeitura e do município, ou seja, custeio e manutenção dos recursos humanos, físicos e materiais. Em resumo, o Plano Diretor é um planejamento parcial ou fora da realidade e condições do município. Desse modo, constitui um instrumento impossível de ser implementado, e o controle social se torna uma utopia.
VI CONCLUSÕES
Implementar o modelo de gestão pública inaugurado pelo Estatuto da Cidade é um desafio sem precedentes na vida dos municípios – trata-se, essencialmente, de uma mudança de cultura. Segundo Alexis de Tocqueville, a democracia torna as pessoas individualistas, pois elas constroem para si uma sociedade particular formada de parentes e amigos. E se esquecem da sociedade como um todo! Além disso, como estudantes somos educados para o isolamento e para a competição. Até mesmo nossa religiosidade é individualista. Cultuamos nosso próprio Deus lá no céu, e nos esquecemos que nós próprios somos deuses (Salmos 81,6). Tudo isso dificulta a participação e o associativismo, e, sem participação e associativismo, o Plano Diretor é simplesmente mais uma lei!
Até quando será possível o Brasil conviver com uma dívida de R$ 1,6 trilhão, que cresce dia a dia e sangra mensalmente os brasileiros em torno de R$ 14 bilhões – ou seja, mais ou menos, R$ 5 mil por segundo! Em 2008, as receitas da Prefeitura de Muriaé totalizaram R$ 124,0 milhões; R$ 61,6 milhões nos foram transferidos pela União e pelo Estado – até quando a União e o Estado terão condições de nos transferir recursos? As receitas de IPTU ficaram em R$ 2,7 milhões, o que correspondeu apenas a 6,1% das despesas de pessoal e encargos sociais de R$ 44,0 milhões. Não se sabe também até quando os recursos naturais permanecerão “inesgotáveis”. Sabe-se, contudo, que os países desenvolvidos não estão preocupados em resolver os problemas do mundo, porque gastam mais de um bilhão de dólares por dia em segurança militar, enquanto milhões de pessoas morrem de fome! A situação tende a se agravar. Comenta-se que a crise financeira ainda assombra a nação norte-americana. No Brasil, os gastos públicos sobem a cada dia, e os candidatos à Presidência da República falam de tudo e de todos, mas nada de concreto no que se refere a uma programação de governo séria e transparente.
Que fazer? Deixar como está para ver como é que fica? O Estatuto da Cidade reconhece que os municípios constituem o lócus da solução de todos os problemas – essa, provavelmente, foi a razão de os legisladores terem atendido aos apelos da população e aprovado a Lei nº 10.257/01 – uma caixa de ferramentas que dá amparo legal ao povo para participar da gestão pública municipal e, conseqüentemente, mudar o destino das cidades. E, mudando o destino dos municípios (que são as partes), os Estados e a União (que são o todo), também deverão ser transformados.
Mas sem AMPLA participação da população – diretamente ou através das associações (Moradores de bairros, CDL, ACIM, CREA, OAB, Sindicatos, etc.) – na revisão e na execução do Plano Diretor, não existirá solução para os problemas de nossas cidades. Fato inconteste, entretanto, é que, mais dia, menos dia, o processo de gestão municipal terá que mudar, à semelhança da queda do muro de Berlim. A decisão que deve ser tomada, contudo, é: mudar agora, através do dialogo e da participação; ou deixar as mudanças a cargo de nossos filhos e netos, os quais – queira Deus – não as tenham que realizar através de armas e homens-bomba, conforme já se observa em outras partes do mundo!
VII APÊNDICE
Desde 2006, tenho afirmado que os Planos Diretores dos municípios brasileiros — todos, sem exceção – contrariam princípios constitucionais e, em geral, são mal elaborados.
Contrariam princípios constitucionais porque não priorizam as classes marginalizadas e foram elaborados e estão sendo executados (se é que estão!) sem a participação da população.
São mal elaborados por vários motivos, dentre os quais se destacam objetivos inespecíficos e sem critérios e indicadores mensuráveis de desempenho.
Os municípios contam hoje com uma importante ferramenta de gestão pública e de accountability democrática. Trata-se do Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal – IFDM. Desenvolvido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, o índice é composto das variáveis seguintes:
1. Emprego & Renda:
1.1. Geração de emprego formal
1.2. Estoque de emprego formal
1.3. Salários médios do emprego formal
2. Educação
2.1. Taxa de matrícula na educação infantil
2.2. Taxa de abandono
2.3. Taxa de distorção idade série
2.4. Percentual de docentes com ensino superior
2.5. Média de horas aula diárias
2.6. Resultado do IDEB
3. Saúde
3.1. Número de consultas pré-natal
3.2. Óbitos por causas mal definidas
3.3. Óbitos infantis por causas evitáveis
O IFDM varia numa escala de 0 (pior) a 1 (melhor) para classificar o desenvolvimento humano do país, dos estados e dos municípios. Os critérios de análise estabelecem quatro categorias: baixo (de 0 a 0,4), regular (0,4001 a 0,6), moderado (de 0,6001 a 0,8) e alto (0,8001 a 1) desenvolvimento humano.
Quando da revisão do Plano Diretor requerida pela Câmara de Vereadores (Ofício protocolado sob o nº 30.605, em 15.09.10), quais serão os indicadores estratégicos que o Poder Executivo e a sociedade civil muriaeense, em conjunto, fixarão para os próximos anos como desempenho esperado na geração de emprego e renda, educação e saúde? E, naturalmente, também, para moradia, saneamento, meio ambiente, transporte, segurança, esporte, cultura e lazer?
Conforme se observa, o IFDM deve ser, sem dúvida, o indicador de desempenho dos municípios no que se refere a emprego e renda, educação e saúde. A pergunta é: qual será o município que terá coragem de definir tais indicadores em seus Planos Diretores e divulgar em outdoor, jornal e televisão os respectivos desempenhos anuais?
A importância da utilização de indicadores mensuráveis de desempenho na fixação de objetivos pode ser comprovada na análise da tabela acima. Por exemplo, a queda do indicador de emprego e renda, de 0,7576, em 2006, para 0,6651, em 2007, iria merecer certamente urgentes providências para a correção de desvios. O quadro seria muito mais grave, se o Plano Diretor tivesse estabelecido um indicador acima de 0,7576 para 2007.
Se o Plano Diretor tivesse sido elaborado e executado com AMPLA participação da população, a responsabilidade pela queda no desempenho seria da parceria Poder Público e sociedade civil. Mas se o Plano Diretor não tivesse contado com AMPLA participação da população, nenhum governante gostaria de ver tal desempenho estampado num outdoor na praça principal da cidade!
Dois pontos se destacam na tabela. Primeiro, dentre os 5.564 municípios brasileiros, Muriaé decaiu do 320º para o 416º na relação 2006-2007. No Estado, dentre os 853 municípios, a queda foi do 25º para o 30º lugar. O segundo ponto se refere especificamente ao indicador relativo a Emprego & Renda. Apresentou uma variação expressiva, mais do que dobrou, entre 2000 (0,3013) e 2005 (0,7060), e decaiu de 0,7576, em 2006, para 0,6651, em 2007. Os períodos da gestão municipal foram 2001-2004 e 2005-2008.