7 de dez. de 2009

COMENTANDO O COMENTÁRIO I

Falando de “governo honesto e sério”.

Vaclav Havel, o teatrólogo que se tornou presidente da Tchecoslováquia, argumentou que “evitaremos um mega-suicídio em nossa época somente se redescobrirmos o respeito por algo fora deste mundo, algo além de nós mesmos”. Com o devido respeito, esse entendimento acha-se incompleto, pois esse “algo além de nós mesmos” a que, presumo, Havel se refere, tanto está além de nós mesmos quanto está dentro de nós mesmos, pelo menos é o que se depreende das passagens seguintes:
“Vocês não sabem que são o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?” (1 Cor 3,16); e
“Façam uma revisão de si mesmos. Será que vocês não reconhecem que Jesus Cristo está em vocês?” (2 Cor 13,5).

Se considerarmos que o Espírito de Deus habita em nós, o ser humano, em princípio, fica constituído de corpo, mente e Espírito de Deus (1 Cor 3,16). Examinemos melhor esses três elementos. O corpo é um antigo conhecido nosso, portanto, dispensa maiores explicações. O Espírito de Deus pode ser entendido como uma energia cósmica que está em mim, ao meu redor e em todo o Universo. Costuma-se dizer que o Espírito que está em mim está para Deus, assim como a onda está para o oceano. Vamos entender a mente como um instrumento de trabalho. Ela se assemelha ao software de um computador e, portanto, recebe, processa e arquiva dados e informações, desde a concepção até a morte.

Todos os problemas do ser humano se originam da mente, dizem alguns pensadores. No estágio em que nos encontramos, eu acho que a mente não pode ser responsabilizada sozinha por nossos problemas. Em algum momento de nossa infância, começou a se formar em nós uma entidade fictícia denominada ego, que, aos poucos, foi assumindo o controle das nossas vidas. Assim, o ser humano ficou constituído de corpo, mente, ego e Espírito.

Em nossa infância, o ego ainda é incipiente e, portanto, facilmente dominado pelo corpo e pelo Espírito, que também exercem domínio sobre a mente. Com o passar dos anos, a mente e o ego vão se fortalecendo, e o ego começa a assumir o controle da mente e, conseqüentemente, do corpo. Com o crescimento do ego, a participação do Espírito vai-se reduzindo. Na idade adulta, excetuando-se Jesus Cristo, Buda e outros iluminados, o ser humano encontra-se totalmente dominado pelo ego.

Não seria temeridade dizer que o ser humano é hoje corpo e ego, com o segundo exercendo total domínio sobre o primeiro, conforme atesta, por exemplo, o número de cirurgias plásticas embelezadoras realizadas diariamente. O Espírito, salvo raras exceções, acha-se adormecido, soterrado nas profundezas da mente. Por sua própria natureza, o ego é extremamente egoísta, e não poderia ser de outra forma, pois o meu ego é exclusivamente o meu ego, que eu estruturei ao longo de minha vida; o seu ego é exclusivamente o seu ego, que você estruturou ao longo de sua vida. Os interesses do ego se resumem basicamente em buscar o prazer e se afastar da dor, numa visão imediatista e sem qualquer preocupação com um desenvolvimento de longo prazo.

Mas, afinal, por que “viajar tanto na maionese” se o comentário se refere exclusivamente a “governo honesto e sério”? A resposta é simples: porque considero impossível a pessoa ser honesta, em todas as circunstâncias, se estiver agindo sob o comando do ego; por outro lado, considero impossível a pessoa ser desonesta, em qualquer circunstância, se agir sob o comando do Espírito de Deus que nela habita (1 Cor 3,16).

O problema, contudo, está em achar o equilíbrio entre ego e Espírito. Jesus Cristo, em várias oportunidades, foi radical. Numa delas disse: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo...” (M6 16,24), ou seja, renuncie a seu próprio ego. Mais radical ainda foi em Mt 8,22: “[...] deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos” (Mt 8,22), dando a entender que nosso Espírito se encontra “morto”.

Renunciar ao ego, eis o caminho – talvez não apenas para se tornar uma pessoa honesta, mas, principalmente, para se tornar uma pessoa feliz. O desafio, contudo, está em como proceder para que o ego renuncie ao próprio ego – talvez um desafio maior do que resolver o koan zen-budista seguinte: "Batendo duas mãos uma na outra temos um som; qual é o som de uma mão?”.