Hélio José Ribeiro Faria, 51 anos, é um dos fundadores do Movimento Rio Nosso de Cada Dia, que comemora conquistas importantes na luta pelo meio ambiente e cidadania em Muriaé. Criado em 2009, sob a tutela da Igreja Católica, o objetivo inicial do movimento era prestar assistência aos atingidos pela enchente de 2007. Na época houve o rompimento da represa de uma mineradora em Miraí. Mas a coisa cresceu e hoje o Rio Nosso de Cada Dia é ecumênico, foi abraçado também pelas Igrejas Evangélicas. A pauta de reivindicações também aumentou. Agora a maior luta travada pelo movimento é a consolidação do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento (Comuplan) de Muriaé. É que, na busca dos direitos dos flagelados da enchente e da sobrevivência do Rio Muriaé, Hélio e seus parceiros nesta luta descobriram que a solução da maioria dos problemas passa pela participação e organização da sociedade. Também descobriram que esta participação e organização é obrigatória e está prevista em lei. A verdade é que, por conta da pressão exercida pelo movimento, o Comuplan já se reuniu duas vezes em 2010. Nos anos anteriores, o conselho existia no papel, mas sequer conseguia juntar seus membros numa reunião. Hélio sabe que há muito que fazer, mas comemora modestamente as vitórias alcançadas. Casado com Suedy e pai de Artur e Heitor, ele é formado em Direito e pós-graduado em Gestão de Negócios pela Universidade Federal de Juiz de Fora. “Nossa desconfiança sobre tudo é a causa do nosso fracasso”, afirma.
O que é o Movimento Rio Nosso de Cada Dia?
Hélio - Antes de qualquer coisa, é bom esclarecer que o movimento ainda não tem estatuto. As reuniões informais acontecem terças-feiras, as 19h30, no salão paroquial da Matriz São Paulo. Estamos na fase de estruturação e com 20 participantes. Nosso objetivo hoje é aumentar a participação da sociedade nas decisões administrativas públicas. Não há político no nosso movimento. Agimos como cidadãos, pessoas comuns, que unidas perceberam a sua força.
Como surgiu a idéia de criar o Movimento o Rio Nosso de Cada Dia?
Hélio - A idéia surgiu por causa da enchente de 2007, quando notamos que diversos moradores das regiões alagadas garantiram que não tinham recebido os seus direitos. A gente começou com discussões dentro do círculo da Igreja Católica. E como o Rio Muriaé é maior que isto, o movimento cresceu e avançou para o Ministério Público (MP), na pessoa do Dr. Fábio Laureano; e para as igrejas Evangélicas, com o pastor José Ronaldo. Ele arrebanhou outros pastores para a nossa luta. Nesta história toda, eu – que já fui ateu – tornei-me assessor forâneo ecumênico. Já fiz palestras em faculdades com autorização e até represento a Igreja Católica em reuniões com representantes das igrejas evangélicas. No começo juntamos as forças da Igreja Católica, envolvendo a Casa das pastorais sociais e o Conselho Diocesano de Leigos. Mas o que marcou mesmo o nosso início foi o seminário que aconteceu no Colégio Santa Marcelina, em outubro de 2009, com a presença de cerca de 300 pessoas e do representante do MP, Dr. Fábio. Antes do seminário foi realizada uma plenária, com cerca de 500 pessoas fazendo reivindicações. Este documento formulado na plenária foi entregue ao MP. Não é a idéia de um nem de dois, foi uma plenária onde pessoas de vários bairros formularam as questões e este documento foi encaminhado para o MP. Resumindo, nosso início teve três atos muito importantes: a plenária, o seminário e o abraço do Rio, onde vimos que nossa luta está no rumo certo.
O que é o Comuplan?
Hélio – O Comuplan é um conselho constituído por representantes da sociedade. Ele está previsto na Lei Federal do Estatuto das Cidades e dá à sociedade organizada a possibilidade de participar das decisões administrativas públicas, como a destinação de verbas, por exemplo. É uma lei lindíssima, pena que a maioria das pessoas não a conheçam e ignorem a sua importância para o município. Ela simplesmente dá paridade à sociedade com a administração pública. Seu princípio é transferir para a sociedade a co-responsabilidade da gestão municipal. Embora o Comuplan seja um conselho consultivo, todas as verbas recebidas pelo município precisam do seu aval, por exemplo, para serem aplicadas. É sabido que nenhum prefeito consegue cuidar de tudo, não tem como. O Comuplan ajuda neste sentido. Ele é a voz da sociedade nas administrações públicas.
Como está o Comuplan em Muriaé?
Hélio – Graças à pressão exercida pelo nosso movimento, que procurou o MP, o Comuplan de Muriaé já se reuniu duas vezes em 2010, ao contrário de anos anteriores, quando não se reunia. Mas a verdade é que, da forma como está concebido em Muriaé, o conselho tem distorções que precisam ser corrigidas. O Comuplan não é um negócio de final de semana e certamente não conseguirá fazer o seu trabalho com as 48 horas de reunião previstas para os seus dois anos de gestão. Os membros do Comuplan precisam saber o que é órgão, pra que serve e a sua importância. Isto ainda não acontece em Muriaé. O conselho está equiparado, pela lei, ao poder executivo municipal. Ele é a segunda lei do município. O prefeito coordena as secretarias, o Comuplan coordena os conselhos municipais e está acima até do Conselho Tutelar, por exemplo.
Como é que o movimento chegou à conclusão sobre a importância do Comuplan?
Hélio – A criação do movimento está associado à proteção do Rio Muriaé, mas a gente viu que a questão era maior. Pra resolver o problema do rio, precisávamos de outros instrumentos. Daí chegamos ao Comuplan. O Estatuto da Cidade é uma lei linda. A gente até sente orgulho em ser brasileiro quando a lemos. Mas só que não é cumprida por falta da participação da sociedade. Estamos no século XXI, mas nossas administrações públicas não passaram da época medieval, justamente por falta da organização da sociedade. Precisa exigir os seus direitos e fiscalizar nossos administradores. A lei nos favorece. Como o objetivo do movimento é lutar pela cidadania, o COMUPLAN é inerente. É impossível não falar de cidadania sem o Comuplan. Ele é a base legal da participação da sociedade na administração pública. Tudo previsto em lei.
Quais são as suas expectativas em relação ao Comuplan de Muriaé?
Hélio – As melhores possíveis. Ele é formado por pessoas de amplo reconhecimento, entre eles representantes do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Câmara Municipal e da União das Associações Comunitárias Beneficentes de Muriaé (UACEBAEM), entre outras. Então fica difícil duvidar das pessoas que compõem um Conselho deste nível.
Mas e as distorções?
Hélio - O Comuplan de Muriaé é presidido por José Ceribelli, que é secretário municipal, empossado pelo prefeito José Braz. Em outras cidades, os próprios conselheiros elegem o presidente do conselho, tudo pra que não haja a possibilidade de vícios. O Comuplan é um órgão independente e representativo. Está na lei que ele precisa ter espaço físico, infra-estrutura, verba para ser administrado. Ele não é um bibelô como está aparecendo, trabalhando somente em final de expediente. Outra coisa, o Comuplan de Muriaé tem 19 membros, quando deveria ter 17. Apesar de tudo, estamos evoluindo. O movimento, ao contrário do Comuplan, sabe de sua força. Temos apoio das igrejas e do MP. Vamos imprimir cartilhas explicativas para esclarecer a população.
Em qual ação o movimento está envolvido atualmente?
Hélio - Sinto que estou investido de uma responsabilidade. O Padre Paulo pediu pra gente procurar a prefeitura e promover uma campanha ampla com a população para evitar poluir o Rio Muriaé. É uma proposta de parceria. Precisamos da ajuda da prefeitura, do Demsur e de todos para melhorarmos as condições de vida do nosso rio.
Qual a sua maior compensação neste trabalho todo?
Hélio – Meu trabalho não é remunerado, é claro. Sinto que estou do lado certo, o lado que eu devo estar. Se Jesus Cristo vivesse hoje, Ele certamente freqüentaria as nossas reuniões de terça-feira. Ele não morreu por rezar, mas porque fazia mais que orações. Ele agia. O amor ao próximo está acima das orações. Eu posso rezar, mas e a minha ação é mais importante. Isto é muito compensador para mim. Saber que a leia está pronta e simplesmente precisamos lutar para o seu cumprimento facilita muito. Nossa sociedade pode viver muito melhor, basta se organizar e lutar por seus direitos.
Como você vê o Rio Nosso de Cada Dia no futuro?
Hélio – Convocamos os padres e pastores, que já aceitaram, para realizar audiência pública para examinar os destinos do Rio Muriaé pós investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O MP é o eixo de nossas reivindicações. Tudo passa por ele. Eu penso que este é o último Comuplan que não funciona corretamente, sem a participação popular, em Muriaé. A nossa associação faz sentido se a sociedade amadurecer o suficiente para fazer com que as associações de bairro funcionem. Nosso movimento quer transformar o grito das pessoas em voz. Ser um canal aberto com o MP. Vamos ser a ante-sala do MP pra zelar pelos interesses da população, por mais humilde que seja. “Nossa desconfiança sobre tudo é a causa do nosso fracasso”.