18 de nov. de 2013

MURIAÉ NÃO TEM

O que é que pelo menos 30 cidades de Minas têm que Muriaé não tem? Resposta: cidadãos organizados. Está no Estado de Minas de 21.06.09. O título da primeira página é “Como vigiar os políticos corruptos de sua cidade”. Na página 6, encontramos: “Cidadãos organizados. Guardiães do dinheiro público. Moradores de cidades de Minas e São Paulo se juntam e dedicam parte do seu tempo a averiguar se prefeitos, vereadores e outros servidores usam o cargo que ocupam em benefício próprio”.
            E o jornal prossegue: Em pelo menos 30 cidades mineiras ficou mais difícil roubar dinheiro público. É que os moradores desses municípios se uniram e formaram um verdadeiro exército de caça-corruptos. As armas são as leis, a mobilização e a transparência. Pela Constituição Federal, todo cidadão tem o direito de saber onde e como está sendo gasto seu dinheiro.
            Em Itajubá, o presidente da organização não governamental Transparência Itajubá dá 15 dias ao Executivo e ao Legislativo para responder aos requerimentos da entidade. Do contrário, a justiça é acionada. É o interesse cívico, uma vontade de ver uma cidade melhor. Em Lambari, um dos líderes do movimento afirma: “Se a gente não fizer a nossa parte, nunca vai melhorar”. Para ele, a população, principalmente no interior, é “meio desligada de política”. Muitos até compactuam com o ato ilícito, seja por desconhecimento, seja porque levam alguma vantagem. “É um desafio para a sociedade acompanhar o trabalho dos políticos. Ainda somos inexperientes no assunto e falta informação”, destaca um integrante do movimento Nossa BH.
            Nos últimos anos, moradores de Januária (de 64,5 mil habitantes), no Norte de Minas, se mobilizaram e entraram na luta contra a corrupção na administração pública. O trabalho da Associação dos Amigos de Januária se tornou famoso pelas sucessivas trocas de prefeitos – sete vezes entre 2004 e 2008. Esclarece o presidente da associação: Nosso trabalho só teve resultado porque Januária conta com um Ministério Público atuante. O trabalho não tem motivação político-partidária, nem ideologia ligada a grupos, tanto é que pelo estatuto da ONG, todo associado que disputar ou assumir cargo público estará desligado da entidade. Em grande parte das prefeituras há corrupção, mas não podemos afirmar que todo prefeito é corrupto. Também falta consciência a empresários que fornecem às prefeituras e colaboram para irregularidades em licitações.
            O texto do jornal é prático e objetivo. Julgamos importante, contudo, destacar outros aspectos. O problema, por exemplo, não se restringe a caçar corruptos; deve-se ter em mente também que a cidade deve ser administrada de forma democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, conforme previsto na Lei Federal nº 10.257, de 10.07.01, denominada Estatuto da Cidade. Tudo deve ser feito com base num Plano Diretor elaborado, executado e monitorado com ampla participação da população. Ou seja, uma cidade da forma que queremos!
            Discordo totalmente da afirmação do integrante do movimento Nossa BH. Há pessoas experientes em administração pública e não pode haver falta de informação, porque o Poder Executivo é obrigado a divulgar todas as informações, inclusive através internet, conforme determinam as leis, especialmente o Estatuto da Cidade e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com relação às declarações do líder do movimento de Lambari, acrescento que não se trata apenas de compactuar com atos ilícitos, trata-se principalmente de pecar por omissão. Vale a pena rever as palavras do Mestre Aldous Huxley que, em 1937, escreveu: A maioria dos homens e mulheres está preparada para tolerar o intolerável. As razões para este extraordinário estado de coisas são muitas e variadas. Em primeiro lugar, está a ignorância. Aqueles que desconhecem outro estado de vida senão o que é intolerável, não têm consciência de que o seu quinhão pode ser melhorado. Em seguida vem o medo. Os homens sabem que suas existências são intoleráveis, mas receiam as conseqüências da revolta. A existência do senso de parentesco e solidariedade social constitui outra razão para que os povos tolerem o intolerável. Homens e mulheres sentem-se ligados à sociedade de que são membros – sentem-se ligados mesmo quando os governantes dessa sociedade os tratam mal. O simples hábito e a força da inércia são extremamente poderosos. Abandonar uma rotina, mesmo que seja a rotina do desconforto, requer mais esforço do que a maioria das pessoas está preparada para fazer. Em maior ou menor grau, portanto, todas as comunidades civilizadas do mundo moderno são constituídas de uma pequena classe de governantes, corrompidos pelo excesso de poder, e de uma grande classe de governados, também corrompidos, pelo excesso de obediência passiva e irresponsável. Gosto deste final: “[...] também corrompidos pelo excesso de obediência passiva e irresponsável”.
            Por que em algumas cidades os cidadãos se organizam para participar da gestão municipal? O presidente da Associação dos Amigos de Januária declarou que decidiu “mostrar a cara” no trabalho em prol da moralidade porque percebeu que as irregularidades afetam a vida de muitas pessoas no interior, que costumam não ter a quem recorrer. “Sou de Januária e senti esse drama na minha família. Meu pai morreu na estrada de Montes Claros para Januária. Ele estava em uma ambulância que ficou no meio do caminho por falta de combustível”. Alexis Tocqueville (1932) salientou que as pessoas desconhecem a importância dos negócios públicos para as suas vidas.
Não creio que o sucesso da Associação dos Amigos de Januária se deva apenas à motivação de seu dirigente. Estou certo de que, para as pessoas se unirem e se organizarem, é necessário um “cimento” mais generalizado, que alguns estudiosos chamam de “capital social”. Para o Banco Mundial, capital social é “a capacidade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos”. Trata-se basicamente de confiança e amizade, algo que se encontra em extinção, exceto no que se refere a nosso próprio umbigo. E ainda rezamos e falamos em “amar ao próximo como a nós mesmos”!

(TEXTO REPUBLICADO)