14 de ago. de 2013

GESTÃO DEMOCRÁTICA: PARTICIPAÇÃO POPULAR



(*) GESTÃO DEMOCRÁTICA: PARTICIPAÇÃO POPULAR
(Extraído da sentença que suspendeu a revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo – disponível em: http://raquelrolnik.files.wordpress.com/2010/08/sentenca-pd-sao-paulo.pdf)

Ocorre que a participação democrática na gestão da Cidade, inscrita nos artigos 2º, II e 43 do Estatuto da Cidade requer mais do que tão-somente a convocação da sociedade para os atos públicos que tem a participação popular como pressuposto necessário. Bem pelo contrário, a gestão democrática impõe à Municipalidade que, do início até o término dos trabalhos do plano diretor, realize campanhas massivas de conscientização e convocação dos munícipes, não só para audiências públicas, mas sim para promover a sua devida participação no processo administrativo como um todo.


Campanha não é convocação para audiência, mas sim um trabalho de mobilização popular, que incuta nos cidadãos a vontade de participar e o entendimento sobre a importância dos assuntos debatidos, tal como dos reflexos que o anteprojeto terá na cidade. Mas não só. A campanha, de início, deve ser também aprofundada o suficiente para permitir aos cidadãos o entendimento material das idéias que a Municipalidade pretende ver presente no novo anteprojeto, o que viabiliza, de antemão, que a comunidade formule críticas, sugestões ou reclamações em relação às pretensões governamentais.

Ainda mais, também é necessário clarear, já no início, quais são os mecanismos programados para intervenção popular. É fundamental que exista uma campanha capaz de informar os cidadãos sobre o local em que podem encontrar representantes das comissões do projeto, como exercer o direito de petição junto a Administração Pública, particularmente quanto à como participar das comissões. Não basta a existência da possibilidade, uma vez que desta possibilidade só usufruem os já informados e interessados, ou seja, aqueles mínimos indivíduos para os quais não era necessária qualquer campanha. É necessário cativar e instruir, facilitar e promover o acesso de todos, e não de poucos.

Assim, de rigor reconhecer que existiu convocação para as audiências públicas que ocorreram, e que em especial elas ocorreram em prazo aceitável de 15 (quinze) dias de antecedência. Mas isso não garante, de modo algum, participação democrática. Pessoas normais, com vidas usuais, necessitam de informação, e como já dito, precisam de motivação para participar e exercerem seus direitos de cidadão.

Mariana Mencio sobre isso averba o seguinte:
“Desse modo, é possível afirmar que o sentido de participação democrática no processo de planejamento passa pela idéia de heterogeneidade dos participantes, sejam eles associações ou cidadãos. Isso significa que é preciso garantir uma maior participação popular em todas as etapas do processo decisório, de forma a não caracterizar apenas o referendo, execução e sugestão por parte do agente político. É preciso que ele apresente e discuta propostas, delibere sobre elas, procurando, sobretudo, modificar as diretrizes estabelecidas pelos dirigentes” (Regime Jurídico da Audiência Pública na gestão democrática das Cidades, Belo Horizonte: Editora Forum, 2007, págs. 101 e 102).

A convocação para uma audiência é mera forma de trazer as pessoas já cientes do processo administrativo para que compareçam, e não esperar, com estas convocações, que as pessoas saibam da importância do assunto, com consciência, estudo, ponderação, interesse, e programem o dia e compareçam de modo construtivo.

Note-se que a sociedade é plural. Indivíduos das mais diferentes áreas e com uma gama infinita de conhecimentos práticos e teóricos,  especificamente sobre urbanismo ou sobre questões correlatas poderiam ter contribuído, mesmo que em forma de pareceres ou petições, participação em reuniões ou em assembléias. Aliás, quanto a isso, uma das formas de participação popular prevista no Estatuto das Cidades no artigo 43, inciso III, parece nem mesmo ter existido. Trata-se das conferências, que servem justamente para congregar especialistas e técnicos com profundos conhecimentos em determinadas matérias, de modo a permitir o debate.

A população não é mera legitimadora. É contribuinte para o plano, e isso deve ser revigorado. O conhecimento gratuito que resta existente em cidadãos ávidos por participar, ou, se não ávidos, que poderiam assim estar quando tocados pelas campanhas de conscientização, deve ser levado em importância em nossa sociedade, afinal, este contexto faz parte do nosso texto jurídico.

Nesse sentido, note-se que as aspirações jurídicas quando do nascimento do Estatuto da Cidade era justamente a de que a população teria, de fato, uma participação ativa na elaboração dos futuros planos e revisões. Previa-se, assim como disposto na lei, um acompanhamento da política urbana e do desenvolvimento do planejamento, com interferência constante nas mais variadas etapas, desde o início, por meio de conferências, audiências e petições, até o fim do processo, sendo certo que se esperava que das interações populares a prefeitura municipal produzisse reflexões, fundamentando o acatamento ou a rejeição de cada uma das opiniões. Não foi, contudo, o que ocorreu.

O requerido ao assim proceder deixou de de cumprir “imensa tarefa de tornar realidade os postulados inscritos no Estatuto da Cidade, a fim de que tos tenham direito às cidades com qualidade de vida” (Mariana Moreira, História do Estatuto da Cidade, in Estatuto da Cidade.., ob. cit., Adilson Dallari e Sérgio Ferraz, pág. 43.

Neste sentido ainda há os seguintes escritos:
“A gestão democrática da cidade é reconhecida como uma diretriz para o desenvolvimento sustentável das cidade, com base nos preceitos constitucionais da democracia participativa, da cidadania, da soberania e da participação popular. Potencializar o exercício do direito à cidade que tem como componentes os direitos políticos e da cidadania coletiva dos habitantes das cidades deve constituir o objetivo a ser respeitado nos processos de gestão nas cidades. O direito à cidade será respeitado quando os grupos sociais marginalizados e excluídos tiverem acesso à vida política econômica da cidade. Este direito, para ser exercido, pressupõe a capacitação política destes grupos sociais. (...)  Atuam assim, conjuntamente, a comunidade e o Estado na gestão e fiscalização da coisa pública. A gestão democrática da cidade pressupõe a organização da sociedade civil, para interferir no processo político em nome das demandas sociais por meio do exercício da cidadania. Assim, os instrumentos da democracia participativa precisam ser utilizados como forma de garantia do direito à cidades sustentáveis.” (Saule Júnior, Nelson, autor e organizador Direito Urbanístico Vias Jurídicas das Políticas Urbanas, , Editor Sérgio Antônio Fabris, 2007, Porto Alegre, pág. 55 a 56).

“Algumas dessas diretrizes, já adotadas em determ inados processo de participação popular em entidades da Administração Pública Brasileira, podem ser assim resumidas: divulgação, com antecedência necessária à preparação dos interessados, das informações a discutir em audiência pública; abertura de participação a todos os detentores de legítimo interesse em participar do processo; divulgação dos comentários e sugestões formulados; e, finalmente, resposta fundamentada aos comentários e contribuições.” (Estatuto da Cidade, Organizador Adilson Abreu Dallari, Editora Malheiros, 2ª Edição, pág. 330 a 331).


Ademais, ausente dos autos qualquer informação sobre a existência de publicidade sobre a participação junto a CMPU e, em considerando que este conselho conta com participantes da sociedade, tal como esboçado em sede de contestação, é questionável quantas pessoas que efetivamente poderiam muito bem contribuir para a elaboração do anteprojeto que nem ficaram sabendo da existência desta possibilidade em tempo hábil para participar das comissões. Assim, de rigor considerar que a campanha de informação da população sobre o processo administrativo de formação do conteúdo do anteprojeto da lei de revisão do Plano Diretor foi deficiente, restando inaceitável.