(*) GESTÃO DEMOCRÁTICA: PARTICIPAÇÃO POPULAR
(Extraído da sentença que suspendeu a revisão do Plano
Diretor da cidade de São Paulo – disponível em: http://raquelrolnik.files.wordpress.com/2010/08/sentenca-pd-sao-paulo.pdf)
Ocorre
que a participação democrática na gestão da Cidade, inscrita nos artigos 2º, II
e 43 do Estatuto da Cidade requer mais do que tão-somente a convocação da
sociedade para os atos públicos que tem a participação popular como pressuposto
necessário. Bem pelo contrário, a gestão democrática impõe à Municipalidade
que, do início até o término dos trabalhos do plano diretor, realize campanhas
massivas de conscientização e convocação dos munícipes, não só para audiências
públicas, mas sim para promover a sua devida participação no processo
administrativo como um todo.
Campanha
não é convocação para audiência, mas sim um trabalho de mobilização popular,
que incuta nos cidadãos a vontade de participar e o entendimento sobre a
importância dos assuntos debatidos, tal como dos reflexos que o anteprojeto
terá na cidade. Mas não só. A campanha, de início, deve ser também aprofundada
o suficiente para permitir aos cidadãos o entendimento material das idéias que
a Municipalidade pretende ver presente no novo anteprojeto, o que viabiliza, de
antemão, que a comunidade formule críticas, sugestões ou reclamações em relação
às pretensões governamentais.
Ainda
mais, também é necessário clarear, já no início, quais são os mecanismos
programados para intervenção popular. É fundamental que exista uma campanha
capaz de informar os cidadãos sobre o local em que podem encontrar
representantes das comissões do projeto, como exercer o direito de petição junto
a Administração Pública, particularmente quanto à como participar das
comissões. Não basta a existência da possibilidade, uma vez que desta
possibilidade só usufruem os já informados e interessados, ou seja, aqueles
mínimos indivíduos para os quais não era necessária qualquer campanha. É
necessário cativar e instruir, facilitar e promover o acesso de todos, e não de
poucos.
Assim,
de rigor reconhecer que existiu convocação para as audiências públicas que
ocorreram, e que em especial elas ocorreram em prazo aceitável de 15 (quinze)
dias de antecedência. Mas isso não garante, de modo algum, participação
democrática. Pessoas normais, com vidas usuais, necessitam de informação, e
como já dito, precisam de motivação para participar e exercerem seus direitos de
cidadão.
Mariana
Mencio sobre isso averba o seguinte:
“Desse
modo, é possível afirmar que o sentido de participação democrática no processo
de planejamento passa pela idéia de heterogeneidade dos participantes, sejam
eles associações ou cidadãos. Isso significa que é preciso garantir uma maior
participação popular em todas as etapas do processo decisório, de forma a não
caracterizar apenas o referendo, execução e sugestão por parte do agente
político. É preciso que ele apresente e discuta propostas, delibere sobre elas,
procurando, sobretudo, modificar as diretrizes estabelecidas pelos dirigentes”
(Regime Jurídico da Audiência Pública na gestão democrática das Cidades, Belo
Horizonte: Editora Forum, 2007, págs. 101 e 102).
A
convocação para uma audiência é mera forma de trazer as pessoas já cientes do
processo administrativo para que compareçam, e não esperar, com estas
convocações, que as pessoas saibam da importância do assunto, com consciência,
estudo, ponderação, interesse, e programem o dia e compareçam de modo
construtivo.
Note-se
que a sociedade é plural. Indivíduos das mais diferentes áreas e com uma gama
infinita de conhecimentos práticos e teóricos,
especificamente sobre urbanismo ou sobre questões correlatas poderiam
ter contribuído, mesmo que em forma de pareceres ou petições, participação em
reuniões ou em assembléias. Aliás, quanto a isso, uma das formas de
participação popular prevista no Estatuto das Cidades no artigo 43, inciso III,
parece nem mesmo ter existido. Trata-se das conferências, que servem justamente
para congregar especialistas e técnicos com profundos conhecimentos em
determinadas matérias, de modo a permitir o debate.
A
população não é mera legitimadora. É contribuinte para o plano, e isso deve ser
revigorado. O conhecimento gratuito que resta existente em cidadãos ávidos por
participar, ou, se não ávidos, que poderiam assim estar quando tocados pelas
campanhas de conscientização, deve ser levado em importância em nossa
sociedade, afinal, este contexto faz parte do nosso texto jurídico.
Nesse
sentido, note-se que as aspirações jurídicas quando do nascimento do Estatuto
da Cidade era justamente a de que a população teria, de fato, uma participação
ativa na elaboração dos futuros planos e revisões. Previa-se, assim como
disposto na lei, um acompanhamento da política urbana e do desenvolvimento do
planejamento, com interferência constante nas mais variadas etapas, desde o
início, por meio de conferências, audiências e petições, até o fim do processo,
sendo certo que se esperava que das interações populares a prefeitura municipal
produzisse reflexões, fundamentando o acatamento ou a rejeição de cada uma das
opiniões. Não foi, contudo, o que ocorreu.
O
requerido ao assim proceder deixou de de cumprir “imensa tarefa de tornar
realidade os postulados inscritos no Estatuto da Cidade, a fim de que tos
tenham direito às cidades com qualidade de vida” (Mariana Moreira, História do
Estatuto da Cidade, in Estatuto da Cidade.., ob. cit., Adilson Dallari e Sérgio
Ferraz, pág. 43.
Neste
sentido ainda há os seguintes escritos:
“A
gestão democrática da cidade é reconhecida como uma diretriz para o
desenvolvimento sustentável das cidade, com base nos preceitos constitucionais
da democracia participativa, da cidadania, da soberania e da participação
popular. Potencializar o exercício do direito à cidade que tem como componentes
os direitos políticos e da cidadania coletiva dos habitantes das cidades deve
constituir o objetivo a ser respeitado nos processos de gestão nas cidades. O
direito à cidade será respeitado quando os grupos sociais marginalizados e
excluídos tiverem acesso à vida política econômica da cidade. Este direito,
para ser exercido, pressupõe a capacitação política destes grupos sociais.
(...) Atuam assim, conjuntamente, a
comunidade e o Estado na gestão e fiscalização da coisa pública. A gestão
democrática da cidade pressupõe a organização da sociedade civil, para
interferir no processo político em nome das demandas sociais por meio do
exercício da cidadania. Assim, os instrumentos da democracia participativa
precisam ser utilizados como forma de garantia do direito à cidades
sustentáveis.” (Saule Júnior, Nelson, autor e organizador Direito Urbanístico
Vias Jurídicas das Políticas Urbanas, , Editor Sérgio Antônio Fabris, 2007,
Porto Alegre, pág. 55 a 56).
“Algumas
dessas diretrizes, já adotadas em determ inados processo de participação
popular em entidades da Administração Pública Brasileira, podem ser assim
resumidas: divulgação, com antecedência necessária à preparação dos
interessados, das informações a discutir em audiência pública; abertura de
participação a todos os detentores de legítimo interesse em participar do
processo; divulgação dos comentários e sugestões formulados; e, finalmente,
resposta fundamentada aos comentários e contribuições.” (Estatuto da Cidade,
Organizador Adilson Abreu Dallari, Editora Malheiros, 2ª Edição, pág. 330 a
331).
Ademais,
ausente dos autos qualquer informação sobre a existência de publicidade sobre a
participação junto a CMPU e, em considerando que este conselho conta com
participantes da sociedade, tal como esboçado em sede de contestação, é
questionável quantas pessoas que efetivamente poderiam muito bem contribuir
para a elaboração do anteprojeto que nem ficaram sabendo da existência desta
possibilidade em tempo hábil para participar das comissões. Assim, de rigor
considerar que a campanha de informação da população sobre o processo
administrativo de formação do conteúdo do anteprojeto da lei de revisão do
Plano Diretor foi deficiente, restando inaceitável.