Aluizio Bezerra Filho
Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa (PB). Autor do livro "Atos de Improbidade Administrativa" (Juruá).
Cabe aos prefeitos eleitos identificar possíveis atos ilícitos de seus antecessores, visando a responsabilização pelos supostos danos suportados pelos cofres públicos e os vícios processuais administrativos, o que revelará a intenção de suas seriedades no trato da coisa pública e na defesa do patrimônio público.
Os novos prefeitos têm o dever legal de identificar os desvios de
condutas dos seus antecessores, e os fatos que evidenciem indícios de
ilicitudes deverão ser objetos de ações de improbidade administrativa visando a
responsabilização pelos supostos danos suportados pelos cofres públicos e os
vícios processuais administrativos.
Essa obrigação de velar pelos princípios da legalidade, moralidade,
impessoalidade e publicidade, é decorre do art. 4º da Lei de Improbidade
Administrativa, sob pena de configurar improbidade administrativa e também em
crime de prevaricação, dentre outros delitos.
Assim, o manual da defesa do patrimônio público atribui aos novos
prefeitos o dever de apuração à luz de simples indícios de fraudes, que
recomenda adoção de procedimentos básicos à frente da gestão pública, tais
como:
1. Criação de uma comissão de apuração de atos de improbidade administrativa, formada por
advogados, para analisar a legitimidade e regularidade de todos os
procedimentos de licitação, dispensa e contratação direta, especialmente, os
seguintes:
a) locação de veículos importados ou top de linha:
- na maioria dos casos esses contratos
revelam sobrepreço desde a sua origem no leasing, porque ao final, há
evidências que o automóvel é repassado para laranja do prefeito ou da prefeita;
o dano é maior em razão na proporção do número de carros locados. Uma operação
triangular danosa ao erário e geradora de enriquecimento ilícito. Essa é a
explicação da prosperidade familiar de alcaides ou alcaidinas que desfilam em
carros de luxo em cidades empobrecidas;
b) serviço de limpeza urbana
- como não há exatidão
na pesagem do lixo ou é fácil manipulá-la, há evidências sérias, em vários
casos, de que esse sobrepreço gera um "mensalão" que chega a ter piso
de R$ 20.000,00 e pode chegar até o teto de R$ 60.000,00, em média, dependendo
do porte do município; os novos prefeitos devem rever esses contratos e a
pesagem desses resíduos de sujeira e preço que intoxicam as finanças públicas;
c) contratos de bandas de shows
- são na maioria suspeitos de
superfaturamento e com violação à lei de licitação;
d) contratos na área de saúde e educação
- devem ser examinados de forma minuciosa em razão do elevado montante
de recursos destinados a essas áreas, inclusive com a verificação do atestado
de quem recebeu, a quantidade e qualidade especificada, e o controle no
almoxarifado com as entradas e saídas; várias empresas formais alimentam a rede
negociatas nesse segmento.
e) contratos de calçamento
- é outro ralo que transitam os desvios
de recursos públicos; não basta constar a quantidade de quilômetros ou metros
de serviços realizados, é indispensável que as notas fiscais e os recibos
especifiquem, identifiquem e atestem as ruas e os trechos com exatidão; sem
isso, é despesa ilegal;
f) contrato de empresas para realização de
concursos públicos
- essas empresas, na maioria, são de
fachadas para firmar contratos sem licitação ou viciadas, com o propósito de
aprovar pessoas previamente indicadas pelo prefeito, sempre envolvendo
familiares, auxiliares e correligionários, afrontando os princípios da
legalidade e impessoalidade.
g) contrato de fornecimento de combustível
- deve-se considerar o tamanho da frota
de veículos oficiais e os carros locados. Aqui o uso fora do serviço público é
ato de improbidade administrativa; é indispensável examinar as notas de
abastecimento e o controle de autorização, sem os quais é configurada despesa
ilegal.
2. Também devem ser auditadas as despesas com diárias, que devem estar anexadas com os
comprovantes da realização do deslocamento e a vinculação ao interesse da
Administração; como por exemplo, ofícios ou expedientes oficiais que justifique
a viagem. A simples autorização e sem comprovantes equivale a despesa ilegal. É
preciso que essa despesa agregue valor ao interesse da administração. Um dos
requisitos da validade dos atos administrativos é a publicidade; essa despesa
pra ser válida é necessária que tenha sido publicada no semanário do município.
As viagens com fins sociais, de lazer ou de aproveitamento individual, devem
ser consideradas ilegais.
3. Diante de simples vestígios de
ilicitude, os municípios devem ajuizar ações civis
públicas de improbidade administrativa para cada contrato irregular, ilegal ou
viciado, de forma individualizada para preservar as peculiaridades de cada ato
ou fato administrativo, observando os seguintes procedimentos:
a) ao ajuizar as ações civis públicas a petição inicial deve ser
instruída com todos os documentos relacionados à irregularidade apontada (como
por exemplo, contrato e licitação, se houver, e notas fiscais);
b) as ações devem ser instruídas com as certidões da junta comercial
identificando a natureza e composição societária da empresa favorecida, e
também das concorrentes; os sócios múltiplos irão aparecer;
c) a petição inicial, título de diligência indispensável, deve ser
requerer ao juiz que determine a requisição de certidões junto à super-receita
(previdência e imposto de renda) para fins de regularidade fiscal à época do
contrato firmado; é ilegal contratar empresas sem idoneidade fiscal;
d) levantar a regularidade fiscal perante o Estado das empresas
contribuintes de ICMS visando saber se é ativa ou inativa. Ou poderá requerer
ao juiz também essa requisição.
e) também, deve a petição inicial requerer a quebra do sigilo bancário
da conta em que foi creditado os valores pelo município em favor da empresa
contratada/beneficiada com a finalidade de rastrear a sua movimentação
financeira; devendo inclusive, informá-la para facilitar a requisição, bem
como, o sigilo fiscal;
f) essas ações de improbidade administrativa devem requerer a declaração
de nulidade dos contratos, compras ou contratações de serviços mediante
procedimentos tramados, e o ressarcimento dessas despesas ilegais; e também, a
suspensão dos direitos políticos, aplicação de multa civil com a perda dos
valores com o enriquecimento ilícito, e punição para as empresas beneficiadas
ou participantes do esquema.
g) as ações devem ser contra todos os envolvidos nesses procedimentos,
tais como: ordenador de despesa, os responsáveis por atestar os serviços ou
recebimentos de bens e equipamentos ou produtos, ou quem efetuou pagamentos,
membros da comissão de licitação, a empresa favorecida e seus sócios, enfim,
quem integrou ou participou do processo administrativo;
h) o município tem legitimidade de ajuizar ações de improbidade, e deve
requerer a intimação do representante do Ministério Público estadual para que
participe de todo os atos processuais. Quando envolver recursos federais a ação
será proposta na Justiça Federal, e requerida a intimação do MPF e da AGU.
4. No caso de reeleição,
onde os substitutos, naturalmente, podem não ter interesse nessa assepsia moral
e financeira, cabe à oposição invocar a lei de acesso à informação para
requerer os documentos referidos e apresentar representação, por escrito, junto
ao Promotor de Justiça da sua cidade.
Adotar essas providências será a demonstração positiva dos novos
prefeitos que irão revelar a intenção de suas seriedades no trato da coisa
pública e na defesa do patrimônio público; agora é esperar pra ver quem vai
cumprir com seu dever.
BEZERRA FILHO, Aluizio. Novos prefeitos: o dever de apurar as
improbidades dos antecessores. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3478, 8 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23409>. Acesso em: 30 jan. 2013.